7 de out. de 2010

As Manchinhas da Minha Avó






            Quanto amor cabe em nós?
            Fui abençoada por Deus por ter avós maravilhosos dos quais eu não lembro de ter uma única reclamação. Só fui rodeada de muito amor, carinho mimo. Só que hoje me fica a sensação de que eu não aproveitei nada do que recebi.
            Quando minha avó queria me dar colo eu queria quintal, quando meu avô queria me dar um cheiro eu queria passar o dedo no doce da panela e quando a outra avó com todo amor do mundo me comprava um lindo presente de Natal, não tinha nem a decência de agradecer a ela só ao Papai Noel e o outro avô coitado me contava histórias e eu só pensava em desenhar.
Fico pensando se quando meus avós partiram tinham noção do amor que eu sentia e ainda sinto por eles. Se eu fui capaz em algum gesto de demonstrar isso a eles, ou se eu estava ocupada demais em ser criança.
            Com minha avó materna eu sempre tive uma ligação especial, algo que eu não sei explicar, tampouco acredito que ela soubesse explicar. Nós sentíamos e só.
            Se eu estava doente e ela chegava, eu ficava segura. Só com ela eu me sentia segura. Sabia que ela estava ali e me amava tanto que não deixaria nada de ruim me acontecer.
            O nome dela era Olinda e eu a amava tanto, mas tanto que pra mim era a “Vó Linda”. Ela tinha um problema de pele que se chama Melanose Solar, são manchinhas na pele devido à idade e a exposição ao sol. Então minha avó era toda pintadinha, toda manchadinha e meus olhinhos infantis achavam aquelas manchas a coisa mais linda do mundo. Meu amor por ela era tão grande que mesmo que ela tivesse um só olho no meio da testa e uma tromba de elefante eu a acharia a “Vó Linda”. Lembro do quanto ela ria gostosamente quando eu elogiava as tais manchinhas, que ela óbvio detestava. Eu sei que ali naquele momento ela sabia que eu a amava.
            Minha ligação com ela era tão forte que eu me sentia culpada por não ter a mesma ligação com os outros avós. Achava que era feio sentir tanto amor por um só, ter apenas um em alta conta. Ao mesmo tempo, em minha cabeça inocente amar aos outros avós, era uma traição com ela. Eram tantos conflitos que me atormentavam simplesmente porque eu não entendia que amor não se divide, se multiplica.
            Minha outra avó era cozinheira de mão cheia daquelas que mesmo após 15 anos da morte dela todos se lembram da maravilhosa comida, com água na boca. Ela era quituteira, não qualquer quituteira, a melhor do mundo. Em meu mundo existiam os salgados da minha avó e mais nada. Apesar de ela ter partido eu ainda fosse criança ainda sinto o sabor da deliciosa coxinha que ela fazia. Era a avó dos docinhos, a lembrança dela tem cheiro de cocada de leite condensado cortada na pia de granito e sequilhos na lata de sorvete.
            Como na casa dela tinha quintal e eu tinha as perninhas tortas, vivia caindo, então houve muitos galos e entorces e então vovó cheira a cânfora. E, pasmem! Vinagre com sal, que ela passava em nossos galos para não ficar roxo ou inchar muito. Não sei bem qual a finalidade do vinagre com sal, mas lembro que ás vezes o vinagre escorria da testa e vinha rolando pela bochecha e eu passava a língua e saboreava o temperinho do galo da testa. 
       
            Esses são sentimentos tão meus, tão íntimos que estavam tão esquecidos dentro de mim e que afloraram quando cai em prantos ouvindo a música Dona Cila, da Maria Gadu. Ela me fez em prantos, relembrar as manchinhas da minha avó e o gostinho de vinagre dos machucados de infância. 
           A música me trouxe de volta, a culpa por na minha inocência e por causa da pouca idade e os conflitos internos que me aflingiam. Não sinto mais culpa por amar mais um do que o outro, porque hoje eu sei que amava todos igualmente e que todos me fazem a mesma falta e meu peito se enche de saudade por todos.
Sinto culpa por não ter sabido aproveitar o suficiente do amor e da sabedoria dos meus avós, coisas que agora me fazem tanta falta. Me sinto triste por talvez não ter demonstrado a intensidade desse amor.
         A música se chama Dona Cila, mas pra mim bem que poderia chamar Dona Olinda, Dona Iolanda, Seu Jarbas ou Seu Elpidio. AMO!!!


Dona Cila

Composição: Maria Gadú

De todo o amor que eu tenho
Metade foi tu que me deu
Salvando minh`alma da vida
Sorrindo e fazendo o meu eu
Se queres partir ir embora
Me olha da onde estiver
Que eu vou te mostrar que eu to pronta
Me colha madura do pé
Salve, salve essa nega
Que axé ela tem
Te carrego no colo e te dou minha mão
Minha vida depende só do teu encanto
Cila pode ir tranquila
Teu rebanho tá pronto

Teu olho que brilha e não para
Tuas mãos de fazer tudo e até
A vida que chamo de minha
Neguinha, te encontro na fé
Me mostre um caminho agora
Um jeito de estar sem você
O apego não quer ir embora
Diaxo, ele tem que querer
Ó meu pai do céu, limpe tudo aí
Vai chegar a rainha
Precisando dormir
Quando ela chegar
Tu me faça um favor
Dê um banto a ela, que ela me benze aonde eu for
O fardo pesado que levas
Desagua na força que tens
Teu lar é no reino divino
Limpinho cheirando alecrim